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26 de fev. de 2013

Relações perigosas

Em um debate com alguns de meus camaradas reconstrucionistas, falávamos sobre as relações entre mães e filhos. Alguns colocaram que para muitos, aqui no Brasil, "sair do armário pagão" via de regra causa um tumulto - nem sempre com a mãe, mas com a família - em algum nível. Alguns são zoados, outros perseguidos, outros ainda sofrem com punições, chantagens e por aí vai.

Sou uma dessas pessoas de exceções, e como meu ambiente familiar sempre foi muito aberto a variedade religiosa, não tive nenhum problema quando de minhas excursões religiosas no geral. Mas conheci (e conheço) pessoas que viviam escondendo os altares, em batalhas sem fim com as famílias, exorcizados, humilhados... Só que essa é outra prosa.

Enfim, falávamos,os camaradas e eu sobre a questão de mães e filhos. De como esta relação é sagrada e forte, acima das eventuais situações que a vida pode trazer. Afinal, mãe é mãe. Os mitos de Aset e Heru-sa-Aset mostram bem isso, de tudo que ela faz por ele, os sacrifícios que ela enfrenta por seu filho amado. Aset é uma mãe com verdadeiro amor e dedicação, e mesmo quando Heru-sa-Aset em meio a um acesso de raiva decepa sua cabeça, a relação deles não é abalada.
Por outro lado, Ra proíbe Nut de ter filhos em outro mito. Ela sofre muito por conta de sua decisão, afinal já está grávida e não pode dar a luz. Suas dores e tristeza são indescritíveis, mas no final Djehuty dá um jeito e os filhos nascem. Com Hethert, Ra também se prevalece de sua autoridade e a proíbe de envolver-se com Heru-wer - o que acarreta sua fuga e traz coisas ruins para Kemet como consequencia
Ninguém pensa que o amor de Ra por sua filhas é questionável, mesmo com suas atitudes. Todos entendem que ele talvez errou ou que tudo eram ações de um plano maior. Na vida, como no mito, se um pai tem esse tipo de atitude com suas filhas ele está sendo zeloso ou tirano, mas cumprindo um papel de proteção.
Porém, atitudes desta natureza de uma mãe são inaceitáveis tanto cultural quanto socialmente. Ou ainda, se um filho não se dá bem com sua mãe, é quase um crime capital.

Quem disse?!

Nem todas as mães amam seus filhos, nem todas os querem ou se importam com eles. Nem toda mulher que é mãe queria se-lo ou então se arrependeu de ter sido. Nem todas tem paciência, ou amor incondicional não. Isso é muito mais comum do que se pensa. Aí quando uma dessas mulheres faz algo de ruim para seu filho, é um escândalo duplo - por ela, uma "mãe desnaturada" e pelo filho. Afinal, como uma mãe pode agir assim? Como ela não vai ser gentil, amorosa e dedicada a  uma vida que ela ajudou a gerar?

Simples: não sendo. 

É preciso lembrar que está se falando de relações interpessoais com pessoas não escolhidas por vontade própria. Elas acontecem e como qualquer outra relação, tem um percentual de dar certo ou não. N Fatores contribuem para que a coisa flua ou role ladeira abaixo. Um tanto outro par de vezes as pessoas não percebem o que está acontecendo e mergulham num ciclo de culpa e raiva destrutivos. 
Amor a prova de balas não existe, é utópico. As relações são todas perigosas. 

Como reconstrucionista, não posso me furtar a repensar realidades. Então, se alguém tem um tipo de relação com sua mãe ou com seu filho fora do padrão esperado, não tenho que acusar ou julgar. Se alguém não mantém uma relação harmoniosa com sua mãe, ou despreza seu filho, essa pessoa tem que também ter a legitimidade de expressar sua religiosidade sem terrorismos ou intervenções para salvar relacionamento. 
Como kemética, entendo que preciso de compreensão para entender como se processa essa realidade diferenciada e avaliar se as atitudes desta relação não são isfet. Para isso, muita conversa, leitura e contato com os Netjeru não para consertar nada, mas para tentar ajudar a pessoa em sua jornada.  




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