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25 de fev. de 2015

Sobre Êxodo: Deuses (?) e Reis.

     Depois de muito resistir, fui assistir a “Exôdo: Deuses e Reis”. Minha resistência se deu porque este é um momento bíblico que sempre gera muita polêmica (e filmes: os 10 mandamentos e O Príncipe do Egito para citar alguns). Mas, a maior de todas as motivações que sempre acaba amolecendo minhas barreiras foi “como vou ter uma opinião se eu não assistir?” Assim, lá fui eu, bem acompanhada de uma amiga – que coincidentemente é historiadora – rumo a algumas horas de experiência cinematográfica.
     Eu sei, eu sei, você que está me lendo está se roendo, mas acredite, eu mesma estou me roendo para ver o que eu escrevo. Notadamente, por eu ser setiana, esperam-se algumas vociferadas – ok, um monte delas. Sim, elas vem, mas por enquanto estou tentando (e muito, acredite) não transformar este texto numa avalanche de letras maiúsculas e imprecações ao Ridley Scott e Cia ltda.  E lá vamos nós.

     Falar do erro étnico de colocar um ator com traços puxando para orientais para interpretar Ramsés, o filho de Seti I (AUS) interpretado por John Turturro (sério, é o mesmo John Turturro malucaço de outros papéis) são 2 erros em uma só frase.
     Ramsés II (AUS) era ruivo, orgulhosamente ruivo e teve uma vida longa e próspera em Kemet - e clique aqui, se quiser vê-lo como realmente era. Ele foi um dos maiores governantes que já existiram e sua época é simplesmente uma era de ouro incomparável na história de Kemet. Caracterizá-lo como mimadinho do papai, indolente, incapaz, sujeito a manipulações políticas, atos de barbárie pode até ser uma licença poética.
     É uma licença complexa, é verdade, já que tudo que ficamos sabendo sobre Ramsés II (AUS) nos diz que ele era o oposto de tudo isso. Porém o que chegou até nós foi tudo escrito pelos egípcios e bom, ninguém vai fazer propaganda negativa sobre seu rei, não é? Tá, eu sei, a não ser Akhenaton, mas aí é outra situação. Indo mais além, colocar Ramsés II (AUS) na época que os hebreus estavam escravizados construindo pirâmides é como afirmar que a Inconfidência Mineira e a construção de Brasília aconteciam simultaneamente.  Ou que o rei Leônidas de Esparta jogava God of War no seu Playstation: um abismo histórico.
      Aí vamos ao figurino. Ouro e joias lindíssimas de ficar babando? Presente. Roupas de linho? Presente. Moisés (e não só ele, detalhe) de armadura preta dentro de fora do campo de batalha? Presente. Isso mesmo, armadura preta no Egito. 
À esquerda, armadura do rei, tipicamente egípcia.
 À direita, a armadura escura de Moisés.

Inclusive  esta armadura (toda ou em parte) é usada dentro do palácio, no meio de todo mundo usando suas túnicas de linho. Sim, eu sei que ele no filme é um comandante militar, mas ele também é o filho adotivo do rei. Ele não é um soldado tirando guarda, ele é um príncipe. Príncipe, destes que tem joia, coroa, tecidos finos, anéis, guarda pessoal, aposentos enormes, luxo e poder, sabe? Ele não é um jagunço perambulando armado o tempo todo do lado do seu coronel, pessoa que montou o figurino do filme! Por favor, pesquise, pessoa que montou o figurino!

     Ok, pausa. Respiração.
    
    Prosseguindo, uma pergunta. O que a Sigourney Weaver foi fazer lá? Se tivesse um alien, eu entenderia, mas no mais ela só apareceu para ostentar ouro e fazer fofoca com o rei egípcio-oriental-careca-mimadinho (porque me recuso a chamar de Ramsés aquela criatura, é uma ofensa ao verdadeiro).


    Falando sobre os hebreus, a caracterização de Javé, seu Deus, foi perfeita. Estou falando sério aqui, de verdade. Já li muito sobre o cristianismo e religiões abrâmicas, e nunca, nunca tinha visto ninguém ter um insight que captasse tão bem a essência do Senhor dos Exércitos: Javé é uma criança! 



     Moisés o questiona, Javé responde “porque eu quero”. Moisés diz que precisa de tempo para que as coisas aconteçam, Javé responde “Não, agora vamos fazer as coisas do meu jeito porque não quero esperar”. Moisés argumenta que as pragas prejudicam a todos, não só os egípcios, Javé responde que é assim que ele vai fazer e pronto. Ora, quem se comporta assim não são as crianças? Nada de homem de idade, cabelos brancos e barba longa com voz de trovão.  O que temos é um menino intempestivo de olhos intensos, magrinho e aparentando não mais que 10 anos. Se você ler o Antigo Testamento fica fácil, muito mais fácil de compreender a série de exigências, leis, situações e afins que Javé faz o tempo todo se pensarmos nele como um menino. 

(continua)