(prosseguindo)
O hebreu mais famoso do filme, Moisés,
é um misto de vários personagens do Cristian Bale. Uma leitura rápida dá pra
ver que ele grita enlouquecido e fanático como o John Connors, usa seus conhecimentos
de luta (e a roupa preta) como o Batman, delira como o personagem de O Operário. É um Moisés meio
doido, meio inconformado com sua vida, mas que a atuação do Bale não convence o
suficiente. Outro ponto é que lá pelo meio do filme fica-se sabendo de onde ele
surgiu porque a apresentação dos personagens simplesmente não existe. Eles vão
surgindo na tela enquanto a gente assiste e é isso aí, coma mais pipoca e vá tentando descobrir quem é quem.
Bom, visualmente, o filme não deixa nada a
desejar. Os efeitos são ótimos, e a parte das pragas ficou ótima. Os cenários
internos e externos, idem. A travessia do Mar Vermelho não decepciona nos
efeitos, embora seja um misto de fenômeno natural com ação divina – e pra mim
foi uma boa ideia. Muita licença poética, evidentemente, para montar a cena e a derrocada dos egípcios, mas o resultado ficou bem legal.
O título do filme fala de Deuses.
Curiosamente, na sociedade politeísta egípcia do filme aparece... UMA
sacerdotisa de Sekhmet. Não se veem muitas estátuas ou objetos sagrados, as pessoas não
falam nos deuses, não há referência alguma da vida religiosa das pessoas, quer
da corte ou não. Em nada.
Lá pelas tantas surge um adivinho fazendo uma
participação, mas nada além disso. A figura religiosa é só da sacerdotisa que conduz
oferendas e adivinhações, inclusive dentro do Rio Nilo. Para Sekhmet, não para
nenhuma divindade que tenha a ver com as águas. Para se ter ideia, nem Yinepu
(Anúbis) apareceu, e olha que qualquer coisa que mostre Egito mostra Ele, hein.
Deuses onde e para quê?!
Imagem autoexplicativa. |
Bom, como pessoa que curte uma boa
história e cinema, digo que esse filme foi um dos maiores desperdícios de
dinheiro (e tempo) da história. Interpretações discutíveis em um elenco fraquíssimo e que
ainda tem o agravante de não colocar NENHUMA pessoa de pele mais escura em
papéis de comando ou destaque. Os mais escuros, como sempre, são subalternos,
escravos, aquela coisa toda. Vejam que estou falando de pele mais escura, não
necessariamente negros, porque estes, nem vou entrar no mérito. Enfim, se você
espera ver um filme daquele Ridley Scott de Gladiador, Alien e Blade Runner, salve seu
tempo e deixe passar o filme na TV aberta.
Agora, falando como kemética ortodoxa,
a palavra é vergonha. Custava um pouquinho de pesquisa? Olha, nem
precisava muito, só assim, uma olhadinha no Google já ajudava. Ler um livro, podia
até ser um de escola, falando sobre os diferentes momentos da história de Kemet
faria uma diferença absurda. Que tal inventar
um outro rei qualquer sem caracterização com um ator oriental mas deixar o
Ramsés II(AUS) quieto? Uma abaixadinha no coitadismo hebraico, de leve (bem de
leve mesmo), que tal?
Eu entendo que é um filme de ficção e
não um documentário, mas só estas quatro coisas já deixariam o filme mais
passável e com um fator de rejeição menor – vide o bafafá em vários lugares que
proibiram a execução do filme. Temos tantos recursos hoje em dia que é
inconcebível apresentar um show de horrores como esse filme e ainda colocar seu
nome nele, senhor Ridley Scott. Estudar o passado para compreender melhor o
presente e nós mesmos não é supérfluo, mas essencial. Falar de deuses e reis,
com propriedade, é reverencia-los e exalta-los em cada um de nós. Infelizmente,
seu filme bem longe desse caminho.
A mim, resta respirar fundo, praguejar o seu
nome, Ridley Scott, e rir, quando me perguntarem pela enésima vez o que Ramsés II (AUS) teve a
ver com a construção das pirâmides.